A Experiência do Usuário como bússola da transformação digital jurídica


Aos poucos, vai ficando claro que a tecnologia não vai extinguir as profissões jurídicas. Ao contrário, sua incorporação ao cotidiano jurídico vai devolvendo aos advogados, magistrados e demais profissionais da área tempo e fôlego para dedicação ao que lhes é essencial, confiando às máquinas tarefas repetitivas, operacionais e que exijam o tratamento de grande volume de dados para produção de informação.

Nesse aspecto, as possibilidades ainda são infinitas e todas as aplicações da tecnologia nesse cotidiano estão abarcadas pelo que se chama de transformação jurídica, fenômeno que vem demandando dos profissionais mais tradicionais atenção para atualização sobre expressões como big data, dashboards, automação e business intelligence (BI), bem como que entidades de ensino jurídico adaptem e atualizem suas grades.

Neste contexto, uma nova vertente de trabalho de suporte às atividades da advocacia também está tomando corpo no Brasil.

Denominada Operações Legais (Legal Operations), a área estuda sistematiza e desenvolve as competências organizacionais inerentes às atividades jurídicas, não se confundindo com as atividades da advocacia em si, tema que começamos a desenvolver em nosso e-book lançado recentemente e cuja leitura recomendamos como complemento às ideias do presente texto.

Entretanto, é preciso dar sentido a todo esse movimento. Qual seria então o Norte desse reboliço que estamos vivendo? Vemos expressões com forte apelo comercial se replicarem por aí, como a incessante busca pela redução de custos e ganho de tempo, apenas para citar 2 “campeãs de audiência”.

Essas “promessas” não parecem ser um fim em si mesmas, sendo na verdade, o meio para algo mais tangível, objetivo e, eventualmente, com mais propósito. Por exemplo, a incessante busca pela eficiência visando ganho de tempo se destina a investirmos esse recurso (o Tempo), cada vez escasso, em atividades com maior valor agregado. É esperado que profissionais que tanto almejam o “ganho de tempo” saibam aproveitá-lo e investi-lo em algo útil e transformados. Mas, no que, exatamente?

Sob outra ótica, ainda refletindo sobre o que norteia este fenômeno da transformação jurídica, vejamos como escritórios jurídicos de vanguarda estão reinventando a forma como atuam.

Curiosamente, os escritórios mais bem-sucedidos estão justamente liderando este processo de transformação, pois compreenderam que o que lhes trouxe ao sucesso até aqui não, necessariamente, garantirá o sucesso no futuro.

Novamente, qual seria a medida do sucesso desta transformação ou, ao menos, qual é o fim que todos buscamos quando buscamos “eficiência jurídica”?

Se “o mercado jurídico mudará mais nos próximos 20 anos do que nos dois últimos séculos”, como prevê Richard Susskind em “Tomorrow's Lawyers: An Introduction to Your Future”, temos a modesta pretensão de ao menos supor qual será nossa direção.

Sem esgotar o tema, e propondo ao leitor nos contar mais sobra sua visão participando da 1ª Pesquisa sobre a Maturidade de Operações Legais da Finch, propomos buscarmos a resposta onde boa parte de tudo que estamos fazendo hoje começou, ou seja, na área de tecnologia da informação.

Vejamos a metodologia SCRUM, por exemplo, a qual em nossa visão representa atualmente o mais alto grau de maturidade e sofisticação de gestão de equipes de forma ágil.

Como ocorre nos bons case de inovação, a “metodologia SCRUM” foi descrita em 1986 à partir de duas coisas que já existiam de forma separada e alguém, neste caso, segundo a The Harvard Business Review, Hirotaka Takeuchi e Ikujiro Nonaka, as combinou buscando a resolução de uma dor especifica previamente conhecida.

Em apertadíssima síntese, o SCRUM é expressão que tem origem no rugby, esporte onde a força bruta é combinada com estratégia, numa mistura de futebol americano e o futebol que conhecemos por aqui. No SCRUM, os jogadores se reúnem em uma formação em que todos se apoiam mutualmente, de forma que o todo é muito mais forte do que um jogador sozinho.

Os criadores desta metodologia resolveram aplicar esta “filosofia” originalmente no processo de desenvolvimento de softwares, com vistas a resolver diversos problemas da criação de sistemas em geral, mas, sobretudo, assegurar que o usuário final tenha a melhor experiência possível com o produto perfeitamente acabado¸ fruto da melhor utilização possível do “time” responsável pelo design, criação e desenvolvimento de um produto.

Em 2001, profissionais que atuavam praticavam métodos ágeis se reuniram no estado norte-americano de Utah para, em síntese, criar um senso comum sobre princípios da agilidade que deveriam nortear a aplicação da agilidade de forma geral.

Novamente, um dos grandes fundamentos deste conceito consiste em colocar a experiência do cliente no centro do alvo, buscando-se garantir que, ao final do produto pronto, o usuário reconhecerá o maior valor possível no que quer que tenha sido desenvolvido.

Ao longo das últimas décadas, a metodologia vem sendo adotada por diversos desenvolvedores de produtos e serviços, e não apenas na área de desenvolvimento de software, inclusive na área de Serviços Jurídicos em geral.

Sem pretensão de examinar aqui a aplicação da agilidade no mundo do Direito, fazemos esta breve contextualização para retomar nossa provocação inicial neste texto e, como primeira análise, finalmente concluir o que, em síntese, deve nortear a chamada transformação jurídica.

Por este prisma, parece-nos razoável resumir que tudo o que fazemos, da busca pelo ganho de tempo a obtenção de eficiências, tem real valor quando o foco de nossas ações é a experiência do cliente usuário do Serviço Jurídico.

Neste contexto, parece-nos que a Sociedade é o maior cliente das estruturas do Poder Judiciário, Departamentos Jurídicos são os clientes de Escritórios Jurídicos Corporativos, os Reclamantes clientes das bancas trabalhistas, e assim por diante.

Notadamente, este ciclo parece-nos interminável, pois quando procuramos compreender toda cadeia de valor envolvida na prestação de serviços jurídicos, o “conceito de cliente” pode ser bastante amplo.

Tomemos o exemplo do Escritório Corporativo que presta serviço a um Departamento Jurídico de uma empresa. O Departamento é o cliente do Escritório, fato.

Contudo, existem diversas áreas internas da empresa que consomem os dados e informações produzidas pelos Departamentos Jurídicos. Ou seja, o Escritório presta serviço jurídico ao Departamento, que, por sua vez, presta serviços às áreas internas.

A depender da qualidade dos Serviços Jurídicos prestados nesta cadeia de valor, especialmente, as informações estratégicas sobre processos jurídicos, consultas e pareceres emitidos, análises de risco jurídico, etc., é esperado que as áreas internas da empresa utilizem tais informações para aperfeiçoar suas próprias atividades.

E, em última instância, neste processo de aperfeiçoamento, os clientes destas áreas, tanto os internos quanto os consumidores finais da empresa tendem a se beneficiar e enquanto usuários de serviços como muito mais valor agregado.  Trata-se de um ciclo virtuoso.

Em nossa concepção, a área de Operações Legais reúne todas as competências da gestão empresarial aplicadas ao suporte da prática da advocacia de excelência, mas, sobretudo, de forma que tais atividades gerem o maior valor percebido pelos clientes efetivamente atendidos pelos Serviços Jurídicos prestados.

Portanto, concluímos estas reflexões sobre a chamada transformação digital jurídica sugerindo que, afinal, toda essa ebulição no chamado ecossistema jurídico demanda que canalizemos nossas energias e recursos para a experiência dos clientes atendidos e, assim, gerar valor de forma sistêmica e, quem sabe, exponencial. Mas isto já é um outro papo.

Novamente, convidamos o leitor a compartilhar conosco sua visão sobre a transformação digital e o contexto em que a área de Operações Legais vem se estruturando no Brasil, preenchendo nossa pesquisa aqui.

Esperamos que quando o leitor se deparar com uma destas expressões e inovações que, para nosso bem, estão invadindo nosso dia a dia, avalie como sua utilização pode realmente melhorar a experiência dos seus clientes, sejam os atuais ou futuros, para seguir atendendo-os com cada vez mais agilidade e segurança jurídica.

 

Daniel I. P do Amaral Mello é advogado, especializado em Operações Legais, Inovação Jurídica e Governança Corporativa, MBA em Economia e Gestão Empresarial na FIA-USP, Head de Soluções em Operações Legais da Finch.