Scrum: como realmente transformar seu time


Não é raro encontrar pessoas falando mal do Scrum, dizendo que não funciona, que enche o time de reuniões e principalmente, que não precisa de nada disso para que um time tenha alta performance. Talvez você seja uma dessas pessoas, assim como eu já fui! O Scrum não é o fim, mas sim o meio. Ele auxiliará seu time a ter alta performance, mas não garantirá isso.

Certo, mas se o Scrum não garante alta performance, o que fazer para alcançar a tão sonhada alta performance? Seu time precisa mudar a forma de pensar, enxergar as coisas de uma forma diferente, de outra perspectiva. Repare que eu não citei “você precisa” mas sim “seu time precisa”. Todo o time, inclusive você, precisam ter esse olhar diferente. Mudar a cultura, o comportamento, as atitudes e provavelmente até praticar novos valores. Uau! Tudo isso não é uma mudança simples, não é mesmo? Dessa forma, entramos no primeiro tópico desse artigo: Propósito.

 

Propósito

Tudo ficará mais fácil quando seu time entender os porquês, o motivo de fazerem o que fazem. Assim, ficará mais fácil a mudança de cultura, eles mesmos irão querer mudar. Eles mesmos estarão motivados, algo muito importante para a alta performance. Naturalmente o time passa a “vestir os sapatos” do cliente, a pensar como o cliente, a interação torna-se intensa, eliminando a grande lacuna que geralmente há entre o time e o cliente. Eles conseguirão colaborar entre si, produzir resultados mais adequados ao cliente, tomar as melhores decisões, talvez até melhor do que você mesmo tomaria, pois eles estão na linha de frente. Isso nos leva ao próximo tópico: Autonomia.

 

Autonomia

Ao entender o propósito, o time terá condições de caminhar de maneira mais autônoma. Não é caminhar sozinho e nem totalmente amarrado. Também não é encontrar um ponto entre esses dois extremos e mantê-lo fixo. É dosar assunto a assunto. No começo é mais complicado, mas aos poucos o time vai entendo em quais momentos pode ter mais autonomia. Quando der autonomia, tem que ser real. O time tem que se sentir capacitado, e você tem que confiar, a ponto de que se algum erro for cometido, você pensar que provavelmente também cometeria o mesmo erro. Quando houver um erro, o feedback deve ser construtivo, o time deve aprender com aquele erro. Com autonomia, a gestão fica descentralizada, as decisões ficam mais ágeis e passam a ser tomadas por quem está na linha de frente, as pessoas com mais informação para isso.

 

Flexibilidade e adaptação

Para estas mudanças, o time precisará se adaptar, fazer diferente e pensar diferente, como já citado anteriormente. Também é muito importante ter uma certa flexibilidade ao realizar a transformação. Não é tudo o que funciona na prática e não são todos os frameworks e métodos que funcionarão. Logo, é muito importante procurar o melhor framework ou método que melhor se encaixe no contexto do seu time. Muitas vezes será necessário testar e experimentar, o que nos leva ao próximo tópico.

 

Cultura da experimentação

Segundo o modelo Cynefin (Snowden, 1999), temos 4 contextos possíveis:

  1. Simples;
  2. Complicado;
  3. Complexo; e
  4. Caótico.

Se você chegou até esse artigo, é muito provável que seu contexto seja complicado ou complexo. Isso significa que não existe uma receita de bolo para resolver os problemas que o seu time precisa resolver. Talvez o problema de um cliente acabou de ser resolvido utilizando determinada técnica, e ao fazer exatamente o mesmo em outro cliente, pode-se não obter sucesso. Logo, é muito importante experimentar, dar um passo de cada vez e sempre medir o passo anterior, coletando feedbacks para verificar se o caminho está correto. Isso deve ser uma cultura, o time deve pensar sempre dessa forma. Isso ajudará o time a entregar valor ao cliente.

 

Entrega de valor, o mais rápido possível

Geralmente, temos a cultura de projetar as entregas no formato pirâmide: iniciando pela fundação, a estrutura, a base e por último o topo. Para facilitar, vamos imaginar um bolo: geralmente pensa-se no sabor, qual receita seguir, assa-se a massa, prepara-se o recheio, monta-se o bolo, confeita-o e por último, coloca-se a cereja. Em que momento saboreia-se o bolo por completo? Isso mesmo, quando ele está pronto, no final de tudo. Esse é o padrão, fomos educados a pensar dessa forma. Não que ela esteja errada, no projeto de um prédio, por exemplo, não há muito como escapar disso, principalmente na fase de construção. Mas quando lidamos num contexto complexo, para um produto ou serviço incerto, o ideal é pensar em entregar algo simples, o mais rápido possível. Na analogia do bolo, seria entregar um cup cake. Um produto simples, pequeno, mas completamente pronto. Dessa forma, o cliente poderá saboreá-lo e o principal, dar feedbacks. Aos poucos, o time vai incrementando esse cup cake, até se tornar o produto final que o cliente gostaria, muito mais adequado, pois o cliente participou de todo o processo.

 

Transparência e comunicação aberta

Para que tudo isso funcione, é essencial ter transparência e falar abertamente sobre tudo. Toda estratégia deve estar clara ao time, todas as dificuldades expostas, incertezas, conquistas, dificuldades, resultados, etc., tudo transparente a todo momento. Também é muito importante que o fluxo de trabalho do time, os itens a serem entregues e as informações referentes a cada item, estejam disponíveis a todos. Isso favorece a colaboração.

 

Consistência

Consistência ajudará seu time tanto na transformação, quanto para mantê-lo seguindo o ritmo do framework ou método. Para isso, é preciso saber o que é esperado do time, qual deve ser o comportamento dos membros da equipe, quais devem ser os valores que o time deve praticar e quais as atitudes esperadas. Já vi muitos times fracassarem na transformação por não terem esse direcionamento. Quando o direcionamento vem da organização, facilita muito. Senão, é importante o próprio time definir em conjunto e alinhar algo como um “contrato” de trabalho.

Para manter a consistência, é muito importante o time acompanhar a saúde do processo utilizado. Essa função geralmente é exercida pelo agilista ou Scrum Master do time, mas não deve ser feita apenas por ele. É um dever de todos acompanhar, sugerir mudanças, ser transparentes, dar feedbacks e saber recebê-los, e seguir a nova cultura.

 

A seguir, comento sobre os valores do Scrum, para auxiliar nessa nova cultura.

 

Pratique os valores do Scrum

 

A seguir, conheça os valores do Scrum e saiba como praticá-los.

 

Coragem

É ter coragem para poder dar um feedback, expor um pensamento crítico, negociar, permitir mudanças (ser flexível). É ter coragem para falar “não” quando for necessário (principalmente quando não será possível fazer determinada atividade, independente da hierarquia do solicitante), para não entregar algo que não está realmente pronto só por pressão de alguém.

 

Foco

Manter o foco durante a todo instante. No Scrum, há um momento correto para cada discussão. Por exemplo, se algo novo aparecer durante o ciclo do desenvolvimento, deve-se decidir rapidamente se é algo muito urgente. Se não for, deve-se deixar essa discussão para a próxima reunião de planejamento. Outro exemplo é se algum impedimento grave surgir numa reunião diária de 15 minutos. A reunião é apenas para identificar que há o impedimento, a solução será discutida fora da reunião, de acordo com a necessidade e na reunião deve-se manter o foco da coleta dos status das demais atividades. E o mais importante: foco é fazer apenas aquilo que é importante para gerar valor ao cliente.

 

Comprometimento

Cada um deve buscar dar o seu melhor sempre. Não apenas com o resultado, mas com todo o time, como exemplo, buscar a colaboração e buscar a melhoria contínua.

 

Respeito

É ter respeito pelas pessoas, pelas experiências que cada um já teve e habilidades que possuem. É confiar que o outro é capaz e respeitar o papel que cada um está exercendo. Feedbacks são muito bem vindos, mas tentar exercer o papel de uma outra pessoa sem uma comunicação adequada, geralmente é um desrespeito. Praticar o respeito é se colocar no lugar do outro.

 

Abertura

Ser receptivo para escutar um feedback. Trabalhar em outra função que não é exatamente a sua para auxiliar no cumprimento de determinado objetivo, como por exemplo, um analista auxiliar em algum teste, ou um responsável pelo teste auxiliar na documentação de algo. Comunicar sobre o trabalho, sobre o progresso das atividades e estar aberto para sempre aprender.

 

Utilizar o Scrum sem se atentar à cultura, a todos os pontos citados nesse artigo, é tornar provável que o esforço seja em vão. Já vi muitos times mudando a forma de trabalhar, mas sem mudar a forma de pensar. Continuam fazendo as mesmas coisas, com os mesmos comportamentos, só que de uma forma diferente. Repito: o esforço será em vão! Agora, praticando essa nova cultura, mesmo que não seja possível seguir o framework ou método exatamente como manda a teoria, é provável que o time tenha sucesso.

 

Trabalhem de forma colaborativa, encontrem um ritmo de trabalho sustentável e principalmente, consigam gerar valor!

 

Sobre o autor

 

Danilo Souza é Agile Coach e Gerente de Projetos com MBA e certificações internacionais. Atua como Gerente de Projetos desde 2010 e em 2017 se especializou em agilidade, tendo conduzido vários times na transformação ágil. Atua também como professor em pós graduação para turmas de Gestão de Projetos. Na Finch, é Gerente de Agilidade da tecnologia, Gestor da Transformação e Scrum Master da diretoria.