Guimarães Rosa e Inteligência Artificial: um gerador de narrativas do sertão


Como seria a experiência se inseríssemos em um modelo de geração de narrativas todos os livros de João Guimarães Rosa? Seria possível criar um gerador de histórias do sertão? Ou então, “imitar” a linguagem roseana a partir da inteligência artificial? Neste artigo, falaremos sobre como, entre tantas possibilidades e técnicas, é possível criar um gerador de textos da obra de Guimarães Rosa, propondo excertos “inéditos” a partir de um modelo de língua de Redes Neurais Recorrentes.

Um dos mais aclamados escritores brasileiros do século XX, João Guimarães Rosa foi um grande “inventor”. Além de diplomata e médico, Guimarães era apaixonado pelas línguas do mundo, o que fez dele um autor aficionado por inventar palavras, técnica literária conhecida como neologismo. Seja pela infância em Cordisburgo, entre os caixeiros viajantes que visitavam o armazém do seu pai Florduardo e contavam histórias maravilhosas, ou na troca de correspondências com seu pai – cartas carregadas de causos e meandros daquela região – Guimarães reinventou o sertão brasileiro, propondo entre contos, novelas e romances, temas universais a partir de narrativas regionais.

 

O inventor Guimarães Rosa: suas combinações

 

A partir de recentes estudos da obra roseana, é possível perceber como o escritor “combinava” coisas: os colhidos populares que ouviu em Minas Gerais (narrativas de memória oral que eram captadas por ele), seus estudos em filologia e as cartas recebidas do pai. Destas combinações e do seu ímpeto para a invenção, surgiram histórias brilhantes e livros cânones da literatura brasileira, como Sagarana (1946), Grande Sertão: Veredas (1956) e Corpo de Baile (1956). Inspirados neste insight de “combinar coisas”, na Universidade de São Paulo (USP), o grupo de estudos Turing Talks se propôs a realizar um modelo de língua dos escritos de Guimarães, a partir de uma Rede Neural Recorrente.

 

Modelo de língua e a geração de narrativas

 

Mas o que é um modelo de língua? Em síntese, um modelo de língua é uma técnica utilizada para aprender a distribuição de probabilidades em uma sequência de palavras. Ou seja, dada uma sequência de palavras de tamanho X, o modelo atribui uma probabilidade para formar frases, a partir do seu escopo de dados (neste caso, a obra roseana). Dados dispostos em uma ordem específica utilizam modelos sequenciais, estes modelos sequenciais são um tipo de Rede Neural Recorrente (Recurrent Neural Network, em inglês — RNN). Destes conceitos citados, o grupo Turing Talks criou e treinou um modelo de língua para gerar excertos semelhantes à escrita de Guimarães Rosa, inserindo toda a sua obra no modelo que opera pelo seguinte mote: “dado um caractere, ou uma sequência de caracteres, qual será o próximo caractere mais provável para encaixar-se na frase em seguida?”.

Assim nasceu um modelo de língua baseado na escrita roseana ou o que podemos chamar de “gerador de narrativas do sertão”. Ele está disponível neste link e você pode testar com qualquer palavra que quiser, iniciando o trecho que será combinado pelo modelo, a partir do uso de inteligência artificial. Para saber mais sobre o estudo do grupo Turing Talks, clique aqui.

 

Um texto "inédito" de Guimarães Rosa

 

Abaixo, fizemos o teste com a palavra “inteligência artificial” no gerador. E veja que interessante, o gerador “propôs” que a IA é um passarinho. Quais reflexões podemos tirar desta pequena frase?

“A inteligência artificial é que é um passarinho com a mãe dela, em todos os cabelos dela eram desafiadas. A lua tinha certeza de algum dia, para mim o vinha de conta e de Drelina, o moço se encontrara para a casa, e a vida é sempre por se procurar, no fechado de seus centros, e não esbarraram com a boca as mulheres de comer, com o formato de comer, não pensavam. Se despediram, e que não se esqueçasse aquele caminho de casa. A mãe de Maria da Glória contra a transportar a escada dele, que desastrava as roupagens de sua casa, nem conseguia descansar o homem de uma certa contradição. Não se podia deixar de se ter medo, e não a moça punha uma espórtica, levantada para ele, a gente achava menos. E o Dito, num espinho de maus, num desartear o que parecia como tinha sempre no meio do coração”.

 

Sinuhe LP é analista de Marketing e Comunicação da Finch, além de escritor e compositor. Estudou Midialogia na Unicamp, publicou o livro de poesia visual Manual do Olho (Ed. Urutau, 2018) e lançou o álbum de canções Olhos Que Molham (2019).